sábado, 29 de março de 2008

Com medo dos mascarados







O dia mal começara, e o meu coração de criança já estava a bater descompassado no portão da vila onde eu morava.



Cabeça nas nuvens e pés no chão, aguardava ansioso, que passasse o primeiro bonde, o abre alas do meu desfile carnavalesco.



Era sábado de carnaval, quando tudo começava, e nada se comparava, na cabeça de uma criança, com aqueles 4 dias de festa.



Os bondes apinhados de foliões passavam e deixavam gravados nos meus ouvidos, as marchinhas carnavalescas, que serviriam, décadas mais tarde, para me ajudar a recordar os fatos de um tempo que ficou pra trás.



"Chiquita bacana, lá da Martinica, se veste com uma casca de banana nanica", na voz de Emilinha Borba, transporta os meus pensamentos para os idos de 1949 quando, devido à morte do meu avô, eu não saí fantasiado. A fantasia ficou guardada para o ano seguinte, e só então pude sentir-me o herói do carnaval, o mocinho do cinema, de chapéu, lenço no pescoço, camisa quadriculada e revólveres nas cartucheiras.



A minha lembrança dos velhos carnavais, porém, não começa em 49, mas 2 anos antes, em 1947 quando, nos meus tenros 3 anos de idade, registrei e deixei gravadas na memória as marchinhas Pirata da Perna de Pau, na voz de Nuno Rolande, e Odalisca, com Nélson Gonçalves.



"Eu sou o pirata da perna de pau, do olho de vidro e da cara de mau". "Vem odalisca para o meu harém". Com tais palavras, essas duas marchinhas abrem o desfile de carnaval da minha vida. Depois delas, muitas outras haveriam de servir como fundo musical, enquanto os anos se passavam, e os velhos carnavais iam, aos poucos, perdendo a magia.



Do ano seguinte, em 48, me ficou na lembrança o "Cadê Zazá?", com Carlos Galhardo, que cantava "Cadê Zazá, cadê Zazá? Saiu dizendo vou ali já volto já. Mas não voltou, por que, por que será?. Cadê Zazá, cadê Zazá?"



Naqueles tempos, as fantasias da meninada eram destaques dos desfiles na vizinhança. Índio, Aladim, Mocinho e Pirata foram minhas 4 apresentações de gala, antes de assumir os ares de garoto grande, que achava que fantasia é coisa de criança.



Ah, que saudade das lança-perfumes! Que perfume maravilhoso tomava conta das ruas! As lança-perfumes deixavam no ar odores mágicos que seduziam os sentidos e encantavam a alma. Conduzir aquele cilindro metálico dourado nas mãos e lançar o seu perfume nas costas nuas das meninas bonitas era uma ato de ousadia. E quando a menina olhava para trás e sorria, aí então o ego envaidecido tornava qualquer menino um D.Juan sedutor, um herói entre os seus pares.



Na Praça, as barraquinhas de cachorro-quente fritavam as linguiças e misturavam o cheiro das frituras ao odor das lança-perfumes. Nada parecia mais extasiante e encantador, do que sentir aquela mistura no ar, enquanto se assistia os blocos passarem. Na hora da sede, nada de refrigerante ou cerveja, a pedida era beber limonada ou groselha, que eram acondicionadas em potes de vidro arredondados e frisados, que faziam os nossos olhinhos se arregalarem.



Muito mais arregalados, porém, ficavam os nossos olhos de menino, com a aproximação dos temidos mascarados. Morcegos pavorosos, diabos demoníacos e caveiras cobertas com lençóis brancos ou pretos colocavam a meninada para correr, deixando muitas crianças desesperadas, chorando assustadas, diante daquelas mácaras pavorosas. Mas, pensando bem, esse era mais um desafio, dentre tantos outros, que faziam do carnaval uma festa diferente e desafiadora.



E dizer que eram só 4 dias, e que tudo acabava na quarta-feira! As cinzas da quarta-feira eram poeira nos olhos, de todos nós meninos que ficaríamos mais uma vez, durante todo um ano, aguardando ansiosamente, e novamente, o carnaval chegar.



sábado, 22 de março de 2008

É tempo de quê ?







-"Marraio, feridô sou rei".



É tempo de bola de gude.



Com esse grito de guerra, um moleque desafiava os outros, para um jogo de bola de gude.



Essa linguagem hermética só é entendida pelos iniciados que viveram intensamente a sua infância, na Era do Rádio.



O cenário era a rua de Bonsucesso, no bairro do mesmo nome, no Rio de Janeiro, onde no chão de terra seria riscado o zépio, uma figura de formato oval, dentro da qual cada jogador casava a sua bola de gude.



O fundo musical ficava a cargo de Waldir Azevedo, tocando Delicado no seu cavaquinho, ou Dalva de Oliveira cantando Kalu, ou ainda Emilinha ou Marlene, não importa cantando o quê.



Na Era do Rádio, cada acontecimento ficava marcado por um fundo sonoro, que podia vir de um rádio na vizinhança, do altofalante de um parque de diversões, ou de um bloco carnavalesco.



A garotada, no meio da rua, cada qual com a sua bola de teco na mão, disputava o direito de ser o primeiro a lançá-la em direção ao zépio. Esse direito seria assegurado àquele que atirasse a sua bola o mais próximo de uma linha, riscada no chão, distante cerca de 5 metros do zépio, de onde as bolas eram lançadas.



A exceção ficava por conta daquele mais esperto que gritara "marraio". Com isso, era-lhe assegurado o direito de ser o último a atirar sua bola. E, se ao lançar a sua bola de gude, ela "ferisse" qualquer outra bola que estivesse no seu caminho, o espertinho "era o rei", mesmo que a sua bola de teco não fosse a mais próxima da linha.



Decifrado o enigma, entende-se porque era muito comum, uma algazarra enorme, após uma gritaria sem fim, para chegar-se à conclusão de quem gritou primeiro.



As bolas de gude eram sedutoras, para os olhos de qualquer menino. Umas eram esverdeadas, outras azuladas, mas nenhuma se comparava com os "olhinhos".



Olhinho era uma bola de fundo branco com diversas cores fortes no centro, que, mal comparando, podia lembrar um olho. Todos ficavam de olho nos olhinhos, que é menos um trocadilho do que a expressão exata do que acontecia na mente da gurizada.



Teco daqui, teco dali, uns mirolhas conseguiam tirar as bolas casadas no zépio, e enchiam os bolsos.



A brincadeira se estendia por uma ou duas horas, até que surgisse uma outra bola, bem maior e feita de borracha. O quicar da bola de borracha na calçada enfeitiçava a meninada e acabava com o jogo de bola de gude.



Era tempo de bola de gude, é verdade, mas a chegada da bola de borracha mostrava que na Era do Rádio sempre era tempo de pelada.