sábado, 26 de julho de 2008

O "happy hour" dos anos 50

Sexta-feira, 8 horas e 35 minutos de um dia qualquer dos anos 50, os rádios sintonizados na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, as famílias reunidas em silêncio aguardavam que a voz do locutor Wilton Franco invadisse os seus lares anunciando que "ergue-se em qualquer parte da cidade maravilhosa o Edifício Balança, Balança, Balança..." e o primo pobre Brandão Filho arrematava "...mas não cai".

Na era do rádio, "happy hour" não era uma reunião nas noites de sexta-feira num barzinho qualquer, para se tomar cerveja. Depois do trabalho, todos se apressavam para chegar logo em casa, tomar seu banho com calma, jantar, esperar o encerramento da Voz do Brasil, para só então ligar o rádio, ouvir a novela das 8 e se deliciar enfim com o humor brejeiro e ingênuo das piadas de Max Nunes e Paulo Gracindo.
O patrocínio era da Perfumaria Mirta Sociedade Anônima e os moradores do Edifício Balança mas não cai eram os comediantes da Rádio Nacional, que viviam situações cotidianas, quase sempre inspiradas nos acontecimentos da semana.
O Primo Rico e o Primo Pobre faziam a sua crítica social, com muito humor e inteligência. O Peladinho exaltava o seu amor pelo mengo, enviando suas mensagens para seus jogadores favoritos, como o Dr. Rubis, que era o alvo principal dos seus elogios e de suas críticas. "Mengo tu é o maior" ou "Mengo tu é uma desgraceira" se alternavam à medida que o mengo ganhasse ou perdesse.
Depois das lágrimas vertidas, após mais um capítulo de "O Direito de Nascer",
a família gargalhava unida com o som que vinha dos apartamentos localizados no Edifício Balança mas não cai. As dores e preocupações da Mamãe Dolores eram compensadas pelo riso fácil provocado pelo primo pobre, que tentava convencer o primo rico a soltar uma grana para matar a fome do seu pirralho, de quem o primo era padrinho.

Os estúdios da Rádio Nacional se tornaram um mundo à parte, ao longo daqueles já longinqüos anos 50, por criarem imagens nas mentes dos ouvintes que não há como reproduzir nos dias de hoje, pois cada qual viajava em mundos imaginários pessoais, que só têm registros na memória daqueles que viveram na era do rádio.
As músicas de abertura eram precedidas por locutores de vozes impostadas, que anunciavam o nome do patrocinador e dos autores dos programas ou das novelas. Os anunciantes, como os sabonetes Lever, Palmolive e Eucalol, e mais o trio maravilhoso Regina, eram apresentados com destaque, mas logo depois eram anunciados os nomes dos autores dos "scripts", fazendo-os conhecidos de todos, como acontecia com Moysés Weltman, autor do seriado "Jerônimo, o herói do sertão", e Álvaro Rangel, que escrevia as histórias das "Aventuras do Anjo".
Enquanto os meus pais se preparavam para o jantar, com a mãe na cozinha, batendo as panelas, e o pai na sala, mastigando torradas, os meus ouvidos estavam grudados no rádio, atento às ações do Anjo e do seu amigo Metralha.
Às 6 horas e 25 minutos, de segunda a sexta, ouvia-se aquele aviso sinistro : "Meliantes, tremei ! No ar, as Aventuras do Anjo". Durante os próximos 10 minutos, a minha fértil imaginação seguia os passos do Anjo e de seu parceiro, ou melhor, as vozes de Álvaro Aguiar e de Osvaldo Elias, que interpretavam o Anjo e seu enrolado parceiro Metralha.
Das 6 e 35 até às 7, era a vez do Jerônimo, do Moleque Saci e da Aninha, a noiva de Jerônimo. Milton Rangel, Cauê Filho e Ísis de Oliveira interpretavam as histórias do herói do sertão, que vivia às turras com o Caveira e seu capanga Chumbinho. O Caveira arquitetava planos diabólicos para liquidar com Jerônimo, que sempre escapava ileso, como todo mocinho que se preza.
"Chumbinho apresente o seu relatório", cobrava o Caveira. E Chumbinho sempre repetia : "Caveira, Jerônimo escapou mais uma vez". Caveira não tinha outra forma d
e manifestar a sua contrariedade, senão repetindo : "Maldição !".
Os tiros, os cascos dos cavalos à galope, o barulho do vento, o som das cachoeiras e dos rios se misturavam no ar, enquanto os atores dialogavam no estúdio, contando com a participação indispensável do sonoplasta, o responsável por inventar aparelhos que reproduzissem os sons naturais.
Os ensaios eram feitos em torno de uma mesa, antes do programa ir ao ar, e não havia como remendar um erro que viesse a ser cometido, pois toda a programação era transmitida ao vivo.
Mas, a nossa noite começava logo ao cair da tarde, com a leitura da oração da Ave-Maria, por Júlio Louzada, um momento sagrado em que até as crianças interrompiam seus folguedos para fazer o sinal da cruz.
A seguir, vinha a Pausa para Meditação, com temas adultos de amores e traições, quando o mesmo Julio Louzada, que antes rezara para a Virgem Maria, ainda imbuído de uma certa aura sagrada, tentava dar conselhos e amenizar as dores das ouvintes desconsoladas com seus parceiros, que escreviam para o programa pedindo ajuda.
A gurizada esperava, então ansiosa, para que aquelas desgraças amorosas se acabassem, e dessem espaço para a chegada do Anjo e do Metralha.
A noite só terminava para os mais velhos, depois das 10 ou das 11 da noite, com as duas últimas edições do Repórter Esso. A confiabilidade representada pela voz de Heron
Domingues fez do Repórter Esso, o noticiário oficial do povo brasileiro, de modo que uma notícia só tinha crédito se fosse anunciada pelo Repórter Esso, e na voz de Heron Domingues.

Assim eram aqueles meus tempos de menino, com jogo de botões pela calçada, com saudades da professorinha que me ensinou o beabá, quando eu era feliz ... e sabia.







sexta-feira, 18 de julho de 2008

Ninguém imagina a pressão nos alçapões

Nos meus tempos de criança, menino amante do futebol, alçapão não era uma armadilha para pegar pássaros, mas um pequeno estádio de futebol, onde ganhar do dono da casa era um combate de sangue, suor e lágrimas.
Eu morava muito perto de um desses alçapões, o da Avenida Teixeira de Castro, campo do Bonsucesso, onde assisti, em belas tardes de domingo, grandes zebras, co
m derrotas de Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo.
Ganhar do Bonsucesso, no alçapão de Teixeira de Castro não era tarefa fácil.
Um outro alçapão muito próximo dali era o da rua Bariri, campo do Olaria, onde uma vez o center half Olavo correu o cam
po todo atrás do juiz para agredi-lo, e mais tarde foi punido por isto com uma suspensão de 1 ano.
A torcida rubro-anil enchia as sociais de Teixeira de Castro e torcia como se o Bonsucesso fosse o seu time do coração, mas muitos mudavam de lado quando os adversários eram Flamengo, Fluminense, Vasco ou Botafogo.
A garotada recitava de cor e salteado as escalações dos clubes que fizeram história, nos meus tempos de menino. Passados mais de 50 anos, ainda sou capaz de lembrar uma das melhores equipes do Bonsucesso que pude ver atuar.
Julião, Bibi e Gonçalo Décio, Pacheco e Paulo Milton,Geraldo, Valter Prado, Jair e Nilo.
Com esta formação, o Bonsucesso venceu o Botafogo e o Vasco
, empatou com o Flamengo, e só perdeu para o Fluminense por 1x0, devido a um lance inusitado, em que o goleiro Julião, depois de defender um cruzamento, colocou a bola no chão, pensando que o juiz havia marcado uma falta. O centroavante do Fluminense Valdo, um matador imperdoável, não perdeu tempo, tocou a bola para dentro do gol, e foi comemorar com a torcida.
Nas tardes de domingo, assim que avistava a marquise do estádio enfeitada com as bandeiras de todos os clubes, num visual mágico, eu me deixava excitar e era tomado por uma ansiedade incontrolável, à medida que me aproximava do campo. A minha caminhada era a pé, já que morava bem perto do campo, na rua Bonsucesso, que desembocava logo no início da Teixeira de Castro.
O grito da torcida, o apito do juiz, o hino do Bonsucesso, tocado antes do jogo, eram sinfonias inacabadas, que pareciam se eternizar ao longo da semana, à espera do domingo seguinte, quando todo esse ritual se repetia.
O clímax do campeonato se dava com a visita do nosso time do coração ao alçapão perto da nossa casa.
Nessas ocasiões, torcia-se sem constrangimentos pelo time visitante, pois na era do rádio o que prevalecia era o amor que devotávamos ao nosso clube e o direito de expressá-lo sem medo de violências.
A camisa do Flamengo vestida por meus ídolos, cultuados em figurinhas e nos times de botões, fazia disparar o meu coração, e me deixava engasgado de emoção.

Garcia, Tomires e Pavão Jadir, Dequinha e Jordan Joel, Rubens, Índio, Benitez e Esquerdinha.
E aquele ataque inesquecível, formado por Joel, Moacir, Henrique, Dida e Babá, como se poderia esquecer !!!
Quando o time do Flamengo pisava o gramado de Teixeira de Castro, correndo como era tradição na época, os meus olhinhos brilhavam como se eu estivesse diante de um grupo de deuses.
Os alçapões de Teixeira de Castro, Bariri e Conselheiro Galvão, que ainda não havia mencionado, e que era o estádio do Madureira, nos permitiam ver os jogadores de muito perto, e quase tocá-los. E isto era emocionante para um bando de guris, numa era em que não existiam televisões, e os jogos eram acompanhados pelo rádio e no dia seguinte conferidos pelos jornais
, que estampavam fotografias de um gol ou de uma bela defesa do goleiro.
Ao vivo, só indo ao campo de jogo. E para uma visão mais próxima dos nossos ídolos, só se espremendo nos alambrados que cercavam os campos e aguardando a bola sair pela lateral, junto ao local onde a gente conseguia se enfiar.

A magia do futebol acabou, e só lembranças permaneceram nas mentes daquelas crianças que conheceram de perto a pressão exercida a cada domingo, dentro dos alçapões, quando os times grandes corriam o risco de cair na armadilha do time pequeno que jogava em casa.
Com o surgimento dos grandes estádios, a partir do Maracanã, tudo mudou. Hoje em dia, ninguém
pode imaginar como era a pressão sofrida nos alçapões dos subúrbios.