sexta-feira, 18 de julho de 2008

Ninguém imagina a pressão nos alçapões

Nos meus tempos de criança, menino amante do futebol, alçapão não era uma armadilha para pegar pássaros, mas um pequeno estádio de futebol, onde ganhar do dono da casa era um combate de sangue, suor e lágrimas.
Eu morava muito perto de um desses alçapões, o da Avenida Teixeira de Castro, campo do Bonsucesso, onde assisti, em belas tardes de domingo, grandes zebras, co
m derrotas de Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo.
Ganhar do Bonsucesso, no alçapão de Teixeira de Castro não era tarefa fácil.
Um outro alçapão muito próximo dali era o da rua Bariri, campo do Olaria, onde uma vez o center half Olavo correu o cam
po todo atrás do juiz para agredi-lo, e mais tarde foi punido por isto com uma suspensão de 1 ano.
A torcida rubro-anil enchia as sociais de Teixeira de Castro e torcia como se o Bonsucesso fosse o seu time do coração, mas muitos mudavam de lado quando os adversários eram Flamengo, Fluminense, Vasco ou Botafogo.
A garotada recitava de cor e salteado as escalações dos clubes que fizeram história, nos meus tempos de menino. Passados mais de 50 anos, ainda sou capaz de lembrar uma das melhores equipes do Bonsucesso que pude ver atuar.
Julião, Bibi e Gonçalo Décio, Pacheco e Paulo Milton,Geraldo, Valter Prado, Jair e Nilo.
Com esta formação, o Bonsucesso venceu o Botafogo e o Vasco
, empatou com o Flamengo, e só perdeu para o Fluminense por 1x0, devido a um lance inusitado, em que o goleiro Julião, depois de defender um cruzamento, colocou a bola no chão, pensando que o juiz havia marcado uma falta. O centroavante do Fluminense Valdo, um matador imperdoável, não perdeu tempo, tocou a bola para dentro do gol, e foi comemorar com a torcida.
Nas tardes de domingo, assim que avistava a marquise do estádio enfeitada com as bandeiras de todos os clubes, num visual mágico, eu me deixava excitar e era tomado por uma ansiedade incontrolável, à medida que me aproximava do campo. A minha caminhada era a pé, já que morava bem perto do campo, na rua Bonsucesso, que desembocava logo no início da Teixeira de Castro.
O grito da torcida, o apito do juiz, o hino do Bonsucesso, tocado antes do jogo, eram sinfonias inacabadas, que pareciam se eternizar ao longo da semana, à espera do domingo seguinte, quando todo esse ritual se repetia.
O clímax do campeonato se dava com a visita do nosso time do coração ao alçapão perto da nossa casa.
Nessas ocasiões, torcia-se sem constrangimentos pelo time visitante, pois na era do rádio o que prevalecia era o amor que devotávamos ao nosso clube e o direito de expressá-lo sem medo de violências.
A camisa do Flamengo vestida por meus ídolos, cultuados em figurinhas e nos times de botões, fazia disparar o meu coração, e me deixava engasgado de emoção.

Garcia, Tomires e Pavão Jadir, Dequinha e Jordan Joel, Rubens, Índio, Benitez e Esquerdinha.
E aquele ataque inesquecível, formado por Joel, Moacir, Henrique, Dida e Babá, como se poderia esquecer !!!
Quando o time do Flamengo pisava o gramado de Teixeira de Castro, correndo como era tradição na época, os meus olhinhos brilhavam como se eu estivesse diante de um grupo de deuses.
Os alçapões de Teixeira de Castro, Bariri e Conselheiro Galvão, que ainda não havia mencionado, e que era o estádio do Madureira, nos permitiam ver os jogadores de muito perto, e quase tocá-los. E isto era emocionante para um bando de guris, numa era em que não existiam televisões, e os jogos eram acompanhados pelo rádio e no dia seguinte conferidos pelos jornais
, que estampavam fotografias de um gol ou de uma bela defesa do goleiro.
Ao vivo, só indo ao campo de jogo. E para uma visão mais próxima dos nossos ídolos, só se espremendo nos alambrados que cercavam os campos e aguardando a bola sair pela lateral, junto ao local onde a gente conseguia se enfiar.

A magia do futebol acabou, e só lembranças permaneceram nas mentes daquelas crianças que conheceram de perto a pressão exercida a cada domingo, dentro dos alçapões, quando os times grandes corriam o risco de cair na armadilha do time pequeno que jogava em casa.
Com o surgimento dos grandes estádios, a partir do Maracanã, tudo mudou. Hoje em dia, ninguém
pode imaginar como era a pressão sofrida nos alçapões dos subúrbios.

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