domingo, 5 de outubro de 2008

Que saudade da professorinha !

"Que saudade da professorinha que me ensinou o beabá!"
Lá estava ela, na entrada da sala de aula, à minha espera. Meia dúzia de degraus me separavam da professorinha e do início da minha alfabetização. O sorriso dela me acalmou e me deu a certeza de que eu era bem vindo.
O ano era o de 1951, ano seguinte ao do fracasso do nosso futebol diante dos uruguaios. Isto me acompanhou durante toda a infância e boa parte da minha adolescência. A perda da Copa de 50 passou a ser referência de uma época.
E lá estava eu, um menino encabulado, frente ao portal da sua alfabetização, com sua pasta de couro guardando apenas um caderno, um lápis com borracha e um apontador. A merenda estava acomodada num canto da pasta, protegida por um guardanapo de pano que escondia um pão com ovo e uma maçã.
D.Palmira deu-me as boas vindas, e eu logo senti que ia ser fácil aprender a ler com aquela professora de voz mansa e gestos suaves. O Colégio tinha nome do santo xará dos meus avós, Santo Antônio, e ficava na rua Baturité, uma ruela pequena no bairro de Bonsucesso. Ali estudei até concluir a 4ª série, ganhando medalhas a cada final de ano, que eram colocadas no meu peito pela professorinha, orgulhosa do seu melhor aluno.
Aprendi tudo com muita facilid
ade, lendo e escrevendo, fazendo caligrafia e tirando nota 10 nos ditados e interpretações.
As carteiras eram duplas e as pastas ficavam pousadas numa prateleira debaixo da mesa, onde muitos iam em busca de cola, quando era dia de prova. Sentavam dois alunos em cada carteira, e era um tal de espichar os olhos na tentativa de saber o que o colega havia respondido para esta ou para aquela pergunta. Alguns esticavam a mão por baixo da carteira, t
entando abrir o livro, e se eram pegos ficavam sem a prova e com uma nota zero na caderneta.
O cheiro do couro da minha pastinha humilde, eu ainda o sinto, como naqueles primeiros dias de aula, quando tudo era novo na minha vida e eu não tinha noção da i
mportância que aqueles momentos representariam para o meu futuro
No recreio, os meninos de um lado e as meninas do outro brincavam de
casamento japonês onde ,ora uns, ora outros, buscavam criar um casal ideal, escolhendo com quem gostariam de casar. As meninas eram muito mais ousadas, e os meninos meio encabulados se deixavam arrastar pelo braço das sedutoras conquistadoras.
Como disse o nosso saudoso Ataulfo Alv
es, eu fico a me perguntar "onde andará Mariazinha, meu primeiro amor, onde andará?" Não importa o nome dela, todos nós tivemos uma Mariazinha, que foi o nosso primeiro amor. Terezinhas, Vanices e Marlenes atravessaram o meu caminho de menino, moldando a figura da Mariazinha, exaltada na canção do Ataulfo.
Namoro mesmo, nem pensar! Suspiros, coração apertado, um gaguejar incômodo, eram sinais suficientes para se ouvir o coro :"tá namorando". Garoto nenhum assumia o seu amor, muito menos que estava namorando. Os amores eram platônicos, m
as tão platônicos, que não se tocava nem na mão da musa inspiradora dos nossos sonhos.
A nossa literatura romântica ficava restrita ao livro escolar "Meu Tesouro" e às revistas Vida Infantil e Vida Juvenil, com seus caprichados almanaques de final de ano. Os Sobrinhos do Capitão eram mais admirados por aqueles guris mais safados e moleques, que adoravam as confusões provocados pelos heróis da história. O meu gosto se voltava mais para o Pituca, um macaco levado mas não muito, e Lourolino e Remendado, um papagaio esperto e um
a tartaruga molenga, mas cheia de macetes.
Os adultos da época liam "O Cruzeiro", que trazia a figura cruel e tirana, mas simpática e
maliciosa, do inesquecível Amigo da Onça. As crianças encontravam nas páginas da revista os maiores escândalos e os comentados crimes da sociedade, como o casamento do homem branco com a índia Diacuí e o badalado crime do Sacopã, envolvendo o tenente Bandeira. Os nossos olhinhos se arregalavam com as fotos sem censura, mostrando os seios à mostra da Diacuí e os detalhes do romance proibido do tenente acusado de assassinar sua amante Marina.
A literatura infantil ficava por aí, pelo menos nos meus dois primeiros anos escolares, enquanto a pelada na rua depois das aulas era o lazer imperdível do dia-a-dia. A vida transcorria como se tudo se repetisse, num melancólico e insosso cenário de subúrbio, que nos dias de hoje receberia toda sorte de crítica de psicólogos e pedagogos, mas que para a nossa meninice era o Paraíso na Terra.
Todo esse enredo que fazia parte de um roteiro repleto de magia tinha, como tudo que acontecia na Era do Rádio, o seu fundo musical. Do rádio lá de casa, ouvia-se a vedete Virginia Lane cantando Sassaricando, com seu comentário apimentado sobre os velhos na porta da Colombo que estariam sassaricando. Um escândalo ! Do rádio do vizinho, chegava a voz de Marlene, numa prévia para o carnaval de 1952, abrindo a voz para anunciar que lá vem Maria com uma lata d'água na cabeça.
O tempo passava e a gente nem notava, só pensando no dia seguinte, que certamente seria melhor do que o de hoje, que já foi muito bom. Assim as coisas aconteciam na Era do Rádio, com músicas de fundo e uma insustentável leveza no ar...