segunda-feira, 30 de março de 2009

Sandoval Dias por Sandoval Dias

Sandoval Dias, um dos "cobras" dentre os músicos da Era do Rádio no Brasil, como foi chamado pela Revista Radiolândia, nasceu na Bahia, em 4 de maio de 1906.
Publico a declaração de próprio punho do meu tio Sandoval, em que ele, de forma simples, como era o seu estilo, conta de modo sucinto, a sua trajetória musical.
"Vim para o Rio ainda muito jovem e resolvi aprender música com meu pai, e tocando trompete, instrumento que soprei por pouco tempo, passando para o saxofone-tenor com o qual me dei muito bem, pois com pouco tempo de estudos me revelei um bom instrumentista, e fui logo convidado para participar das melhores orquestras do Rio, atuando em todos os cassinos e estações de rádio.
Em 1941, ingressei na rádio Nacional do Rio como solista de saxofone-tenor, onde permaneci at
é 1961(20 anos), quando fui transferido para a Rádio Ministério da Educação e Cultura(MEC).
Depois de uma pequena prova, ocupei o cargo de claronista(clarinete-baixo) na Orquestra Sinfônica Nacional do MEC, sob a regência do Maestro Eliazar de Carvalho.
Na época em que trabalhei na Rádio Nacional, fui também contratado exclusivo da Philips do Brasil, para gravações fonográficas durante cinco anos."

De acordo com informações prestadas por minha prima, Tio Sandoval gravou 14 LPs e diversos discos de 78rpm. Ainda contando com minha prima, como fonte de informação, os LPs seriam Um saxofone em hi-fi, Um saxofone depois da meia-noite, Dançando com Sandoval Dias, OK para dançar, Dançando com o sucesso, Sandoval Dias e seu sax dançante, Sandoval Dias e seu sax romântico, Música de Maysa, Ao encontro da música, Boleros, Ritmo de bolero, Um saxofone em ritmo de bolero, Um saxofone em ritmo de bolero nº 2 e o Brasiliana nº 7 e 8.
Em futuras postagens, pretendo comentar sobr
e cada LP, falando da seleção musical e de suas interpretaçõe, algumas delas memoráveis, como sua sensacional performance, numa das faixas do LP Um saxofone em hi-fi, interpretando Czardas, música que sempre foi um desafio para os violinistas e que se rendeu à técnica extraordinária de Sandoval e seu sax-tenor. Esta interpretação é imperdível para os amantes da música instrumental, e justifica o elevado conceito que Sandoval Dias sempre desfrutou entre os grandes maestros de sua época.

Sandoval Dias participou das grandes orquestras da Era do Rádio, dentre elas a de Fon-fon, Chiquinho, Zacarias e muitas outras, sob as regências de nomes famosos como Lyrio Panicalli, Eliazar de Carvalho e Radamés Gnatalli.
Radamés considerava Sandoval um dos grandes músicos do seu tempo, e para ele compôs uma música num estilo erudito, que Radamés preferia chamar de música de concerto, a Brasiliana nº 7, tendo gravado essa música junto com Sandoval e com sua irmã Aída Gnattalli, num duo ao piano. De Radamés, Sandoval também gravou Amigo Pedro e Pé ante Pé, e que são citadas como obras importantes de autoria de Radamés Gnatalli, que, no entanto, não podem ser comparadas com a grandeza musical da Brasiliana, dedicada a Sandoval.
No site de Leo Gandelman, um dos grandes saxofonistas modernos, o músico Henrique Cazes comenta a admiração que Radamés nutria por Sandoval e Zé B
odega, como grandes saxofonistas que eram, e ressalta a restrição que Sandoval sofria de seus contemporâneos, por não haver aderido às influências jazzísticas.
Ouvindo-se os LPs de Sandoval Dias, pode-se comprov
ar sua preferência por canções românticas e dançantes, nas quais se sentia muito à vontade para impor o seu fraseado suave e envolvente, repleto de emoção. O jazz, sem dúvida, não o atraía, nem como estilo musical, nem como forma de extravasar a sua criatividade artística, como costuma ocorrer nas famosas "jam-sessions". Se foi esse desprezo pelo jazz que atrapalhou a sua fama, talvez ninguém possa afirmar com certeza, e nem vale a pena especular. Entendo que o verdadeiro artista tem seu espaço, qualquer que seja a sua preferência musical, desde que possúa talento e sentimento para expor a sua arte. E isso não se pode negar a Sandoval Dias e seu sax-tenor.

Na década de 60, Sandoval dias participou do grupo "Os Boêmios" da Rádio MEC, ao lado de Homero Gelmim (violino), Eugênio Martins (flauta), Gabriel Henriques (baixo) Artur Duarte e Carlos Lentini (violão), Waldemar Melo (cavaquinho) e Cabore (percussão). O repertório do grupo era de música popular brasileira, misturando sambas, chorinhos, sambas-canções e valsas, com um estilo nobre de interpretar, digno dos músicos componentes de orquestra sinfônica e que compunham o grupo.

Na década de 70, Sandoval Dias aposentou-se, e passou a se dedicar à regência de Bandas, em Cordeiro e Nova Friburgo, e mais tarde, veio a assumir a função de Maestro da Banda Civil do Rio de Janeiro, função que exerceu até o ano de 1993, quando veio a falecer, no dia 6 de setembro.

Tendo como fundo musical a maravilhosa seleção do LP Um saxofone em hi-fi, que tem na capa a foto da Jayne Mansfield, vestindo um baby-doll preto, coisas da época para atrair o comprador, eu mergulhei no tempo, para escrever este texto. E nesse mergulho profundo, me vieram à lembrança saudosas recordações de uma época romântica e musical, quando tudo o que se fazia era alimentado por um fundo musical, que vinha de um aparelho de rádio.
Enquanto escrevia, eu recordei, entre outras, No Rancho Fundo, Autumn Leaves, Pensando em Ti, Around the World e a já comentada e exaltada Czardas. Era com fundos musicais que se vivia naqueles tempos idos, como costuma dizer a minha Flora, tão saudosa quanto eu daqueles inesquecíveis momentos vividos na Era do Rádio.















sábado, 14 de março de 2009

Vamos trocar figurinhas ?

Esta postagem é dedicada à minha leitora Myriam Esteves e à sua sobrinha Regina, que, ao se depararem com o Na Era do Rádio, souberam dar valor ao seu conteúdo. Encantada com a matéria sobre as balas Ruth, a Myriam descobriu meu telefone e relembrou comigo outras coleções de figurinhas, que fizeram parte de nossa infância.
A Myriam mencionou, no meio da conversa, as balas Hollandezas, que ela colecionara quando menina, e eu confessei-lhe a minha ignorância, por nunca ter ouvido falar naquelas balas. Nessa hora é que eu descobri que conversava com uma mulher, no mínimo, 10 anos mais velha do que eu, ligada na internet e interessada nessa mesma cultura popular. Que maravilha !
Desliguei o telefone, e pus-me a pesquisar sobre as Hollandezas, e descobri bem mais do que pensei, e do que, talvez, a própria Myriam pudesse imaginar que houvesse ocorrido, naqueles seus tempos de menina.
As balas Hollandezas e suas figurinhas foram lançadas em 1934, e a partir daí ocorreu uma "febre" de colecionadores, que chegou a gerar polêmica na sociedade da época. O jornal A Tribuna de Santos fez uma matéria de capa, em sua edição de 7 de novembro de 1934, com o título "Balas Hollandesas - a coqueluche da cidade". Na matéria, o jornal começou uma série de reportagens condenando o que chamava de perda de tempo e de um pseudo passa-tempo, que beneficiava a uns poucos espertalhões que lucravam com o comércio das figurinhas mais difíceis.
O jornal relatava a loucura que tomara conta de
homens, mulheres e crianças, que se reuniam em praças e esquinas, buscando conseguir as figurinhas que faltavam para completar o álbum.
As balas Hollandezas, que não são d
o meu tempo, foram as grandes precursoras das balas Ruth, essas, sim, da minha época, e que me acompanharam numa bela fase da minha infância.


As balas Ruth foram lançadas em 1950, oferecendo prêmios para quem enchesse o álbum. Eram bicicletas, bolas de futebol e outros sonhos de consumo da garotada do
meu tempo. A história comprova que saía muito mais barato ir na loja e comprar os prêmios ofertados, do que tentar ganhá-los comprando balas. E quem estava se importando com os prêmios ? O sonho de qualquer criança da época era completar o álbum com as 360 figurinhas diferentes, que viviam escondidas nas embalagens das balas Ruth. Essa empreitada chegou a ser considerada, por muitos, quase impossível, pois haviam 4 figurinhas muito difíceis de serem conseguidas : a do Açucar, a da Casa de Madeira, a da Locomotiva de 1877 e a do Shakespeare.
A ansiedade por encher cada página do álbum é indescritível para os padrões atuais. Cada bala desembrulhada e o surgimento de uma figurinha que faltava no álbum era motivo de pulos e gritos, que as crianças de hoje em dia não conseguiriam entender, e nem ver motivos para tanto. Mas, na Era do Rádio não tinha joguinho eletrônico, não se gastava tanto tempo diante de uma tela de computador tentando matar um inimigo ou roubar algum tesouro protegido por seres descomunais de feições horrorosas.
A alegria da garotada era uma boa pelada em rua de terra, jogo de botõ
es pela calçada, álbuns de figurinhas para colecionar, parque de diversões em fim de tarde e matinês em cinemas ou circos, em sábados e domingos. A televisão estava começando, e só os bacanas é que tinham poder de compra para possuir uma Zenith, Emerson ou RCA, as marcas da época.
As minhas coleções eram as imagens que eu mais prezava, e abrir um álbum e encontrar uma página completa era muito melhor que esperar o vizinho ligar a televisão para ver a Virginia Lane, de pernas de fora, comandando os Espetáculos Tonelux, ou mesmo um desenho animado do Popeye ou do Mickey.
A meninada do meu tempo gostava mesmo era de coleções. Colecion
ava-se tudo, desde figurinhas e carteiras de cigarro, até chapinhas de cerveja e gibis. E tudo era motivo para negociações de trocas e desafios para jogo, com a intenção de conquistar aquela peça faltante na nossa coleção.
Lembro-me perfeitamente de meus álbuns de Artistas de Cinema e de Jogadores de Futebol, que compunham, com o das balas Ruth, a tríade perfeita das m
inhas coleções sagradas de figurinhas.
As figurinhas dos artistas e dos jogadores não vinham enroladas em bala, mas dentro de pacotinhos fechados, e eram vendidas em bancas de jornal. Dentre as figuras dos jogadores tinham as famosas e disputadas figurinhas carimbadas, que eram difíceis de serem conseguidas e alcançavam altas cotações na bolsa de trocas. Creio que muitos desconhecem ser esta a origem do termo "figurinha carimbada", ainda hoje usada para designar uma pessoa difícil de ser encontrada, ou muito cotada na roda de amigos.

Os nossos pais também tiveram a sua época de figurinhas, que não era
m coladas em álbuns, mas guardadas como cartas de baralho, em caixinhas de papelão, caixas de charutos ou naquelas mimosas caixinhas de madeira do Matte Leão. Eram as Estampas Eucalol, que surgiram no meio da década de 20 e permaneceram no mercado até meados dos anos 60. Dessas, eu não tive coleções, mas tive contato com algumas delas, guardadas por meus pais, de forma meio descompromissada, sem pretensões a reuni-las numa coleção.
Das balas Hollandezas, eu não lembrava; para as Estampas Eucalol, eu não ligava, mas as Balas Ruth foram inesquecíveis, e têm o seu sabor retido, até os dias de hoje, na minha memória gustativa.
A minha outra memória, a visual, jamais conseguiu esque
cer os momentos em que, sentado a mesa da sala, eu colava as figurinhas no álbum, enquanto minha mãe costurava do meu lado, ouvindo os programas da tarde, na Rádio Nacional. De repente, tenho a sensação de estar ouvindo a Dalva de Oliveira começando a cantar Kalu, após os últimos acordes de Os Pobres de Paris, enquanto minha mãe cantarola junto com a Dalva, sem grandes pretensão, mas com muita emoção.
Assim era a infância dos meninos do meu tempo, talvez sabendo menos do que as crianças de hoje em dia, mas, seguramente, realizando mais, muito mais mesmo. A garotada da minha época tinha o seu calendário próprio, era cheia de iniciativas e não ficava esperando que os adultos providenciassem áreas de lazer ou construíssem campos de esporte. Nós liderávamos as nossas brincadeiras e não admitíamos as interferências dos adultos.
Eu sei que hoje é diferente, as crianças estão mais politizadas, e sabem cobrar as promessas dos governantes. Mas, talvez lhes faltem aquele espírito de liderança, para escolher onde e o que desejam fazer. São os tempos, sem dúvida, os tempos mudaram. E, afinal de contas, a geração atual não teve oportunidade de viver os sonhos que eu sonhei e levar a vida que eu vivi, pois eu nasci na Era do Rádio.